sábado, 8 de junho de 2013

Acrônica de uma final não anunciada


O esporte é feito de super-humanos. Atletas que transformam o impossível no inacreditável diante dos nossos olhos.  O esporte se fortalece com os homens que viram ídolos. Arrastam multidões, emocionam, encantam, influenciam. Seus passos são seguidos dentro e fora da quadra, do campo, da pista. Seus rostos estão nos jornais, nas revistas, nas capas dos livros. A sua camisa veste milhares de crianças na Ásia. Seus tênis calçam adolescentes na Europa. Suas raquetes estão nas mãos de jovens americanos. Sua imagem vale milhões. Vende milhões. Seu nome se multiplica por todos os continentes, por todos os idiomas.  Sua história será sempre lembrada. Repetida. Exaltada. Seus limites, quase sempre, ficam pra trás.  Inspirados, incansáveis, invencíveis. Seus sonhos – mesmo os mais distantes – se realizam. Suas mãos tocam aquilo que está fora do alcance para 99,9999% da humanidade. O esporte é feito pelos que têm o dom e decidem dedicar a vida para transformar este dom em algo o mais próximo possível da perfeição.
O esporte é feito por aqueles que você sabe que vão conseguir. E conseguem.
Mas o esporte – nunca podemos esquecer – também é feito de suor. De trabalho. Muito trabalho. Dos persistentes, resistentes, insistentes. Quando perdem, são chamados de esforçados. Quando vencem, de guerreiros. O esporte também é feito de limitações. E dos que aprenderam a dar tudo o que podem. Correm no limite extremo. Jogam no limite extremo. Cada bola, cada ponto parecem os últimos. E muita vezes acabam sendo. O esporte também é feito pelos que aprendem a perder e se fortalecem com as derrotas. Pelos que ficam no quase. Nas quartas. Nas semis. Nos vices. Choram, baixam a cabeça, pensam que nunca terão uma chance como aquela. Mas logo estão de pé. Tentam de novo. Lutam de novo. Uma, duas, três…quantas vezes for preciso. Uma dia, o dia deles chegará. E se não chegar? Nada muda. Eles continuarão ali, batalhando para que os sonhos se realizam. Ou pelo menos um deles. O esporte é feito dos que choram copiosamente nas vitórias. Dos que colocam a mão no rosto, deitam no chão, perdem o olhar. Não sabem o que dizer, o que pensar, o que fazer. O esporte se alimenta desta paixão.
Do que parecem que nunca vão conseguir. E conseguem.
Sim, estamos falando de Rafael Nadal e David Ferrer. Certamente você os reconheceu nos parágrafos acima. Não são definições literais, claro. Não pretendem ser. Nem poderiam. Algumas frases cabem aos dois. Assim como cabe a licença poética quando os dois atletas em questão jogam, como poucos, como o coração. Abismos os separam. Veias unem.
Os dois espanhóis fazem, neste domingo, a grande final de Roland Garros.


Opostos.

Aos 31 anos, David Ferrer chega em sua primeira final de Grand Slam. Aos 27, Rafael Nadal atinge a sua 16ª. A primeira foi em 2005, quando tinha apenas 19 anos, ali mesmo em Roland Garros – iniciando uma série absolutamente fantástica de sete títulos em oito anos. 58 vitórias e uma derrota. Nunca nenhum tenista havia feito nada parecido em Paris (“transformam o impossível no inacreditável“, lembram?). Além dos sete títulos de Roland Garros, Nadal tem mais quatro Slams na prateleira, sendo duas conquistas em Wimbledon, uma no US Open e uma no Australian Open.
Na carreira de Rafa, já são 56 títulos dentro do ATP World Tour. Ferrer tem menos da metade. São 20 taças, sendo nove delas ganhas entre 2012 e 2013. Vive o seu auge depois dos 30, inclusive fisicamente. Terá outra chance como a deste domingo? Impossível responder. Afinal “o esporte é feito dos que tentam de novo. Lutam de novo. Uma, duas, três…quantas vezes for preciso”. Para Ferrer, esta foi a 42ª tentativa.


Mas nem tão opostos assim.

Estarão frente a frente o número 4 e o número 5 do mundo. Hoje, em ordem, Nadal e Ferrer. Na segunda-feira, independentemente do resultado, as posições serão invertidas. Ferrer mais uma vez ficará acima de Nadal. Ainda que a história escreva o contrário. Ainda que o momento acabe mostrando outra realidade. Em caso de um histórico título, David ultrapassará não só Nadal, como Federer no ranking. O espanhol “esforçado” deixando os gênios deste esporte para trás? Quem imaginaria?
Nesta edição de Roland Garros, se alguma campanha pode ser definida como perfeita é a do próprio Ferrer. Seis vitórias e nenhum set perdido. Tudo bem que ele não precisou passar por uma batalha épica contra o número 1 do mundo, mas o massacre em cima do top 10 francês Jo-Wilfried Tsonga numa semifinal, com toda a torcida contra, não é para qualquer um. Três dias antes, inclusive, Federer caiu diante do tenista da França. Já Nadal perdeu quatro sets na sua caminhada até a final. Dois deles nas duas primeiras partidas, seguidos por viradas seguras. Os outros dois na semifinal antológica contra Novak Djokovic. Duelo de mais de quatro horas. Que parecia estar ganho e, muitos depois, parecia perdido. No fim, Nadal precisou ser o jogador descrito no primeiro parágrafo deste texto. Só este tipo de jogador reverte a situação em que o espanhol se encontrava no 5º set, com uma quebra atrás e diante de um revigorado número 1 do mundo.
E assim será na final. Nadal e Ferrer precisarão ser tudo aquilo que os define. Tudo aquilo que os trouxe até aqui. Não importa se Nadal busca mudar a história do esporte e Ferrer mudar a própria história. Não tenha qualquer dúvida que ambos irão ao limite do limite do limite para conquistar o título. O retrospecto deixa claro que o favoritismo tem lado. São 19 vitórias de Rafael contra quatro de David. Mas são justamente essas quatro vitórias que deixam claro que, se o favoritismo tem lado, a certeza nunca tem.

Fonte: http://www.redetenis.com.br/no-mundo/a-cronica-de-uma-final-nao-anunciada/

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